quinta-feira, 28 de outubro de 2010
A noite e a montanha
Jesus é homem de comunhão com o Pai. Seu ato de atravessar a noite em oração a Deus, de não passar passivamente por ela diante na montanha, exprime o seu amor ao Pai. O que o motiva? A escolha dos doze? Não errar ao nomear seus apóstolos? Ele vai à montanha, à noite, atravessa-a, assim como uma lança que rasga uma densa peça, ele atravessa a imensidão das trevas. E ora não por motivações de escolha ou discernimento, esses partem da intimidade e não o contrário. Todo o ato público de Jesus se funda na sua experiência de amor ao Pai, de intimidade profunda. Ele não vai ao monte orar para fazer a aparente difícil tarefa de escolha dos doze, nem para não se arriscar a errar em escolher seus delegados. Ele ama o Pai, e porque ama-o, reza, ora, vai à montanha, atravessa a noite. O que o motiva é o próprio Pai e relação de amor entre eles. Não quero dizer que ele não rezou para escolher os seus, quero dizer que a escolha não foi sua motivação oracional, como muitos afirmam. A escolha, o envio, a imposição do nome sucede a sua oração, assim como tudo o que fazia.
A pessoa que vive na presença de Deus, que ora em meio a escuridão da noite, que vai até o monte, faz escolhas fundadas na intimidade. Podemos inverter a ideia tradicional, a motivação da escolha é a oração. Porque oro, escolho, porque oro, envio. Não oro para escolher e para enviar. O pressuposto de todo ato pessoal é sua profunda comunhão de amor com o Pai. Isso não gera equívoco, porque a verdadeira oração é capaz de direcionar nossas escolhas para o bem.
Resta-nos uma indagação. Se Jesus ora, e por isso, tudo o que faz nasce dessa experiência que tem com o Pai, porque ele escolhe um traidor? Jesus não escolhe um traidor, ele escolhe apóstolos. É no clarão do dia que Jesus faz a escolha, ele convida os seus discípulos à mesma experiência de atravessar a noite, chamando doze deles de ἀποστόλους (apostolous= enviados: que faz as vezes daquele que envia). Na última frase do enunciado sobre Judas Iscariotes lemos: “que se tornou um traidor” (ὃς ἐγένετο προδότης). A escolha de Jesus também se torna escolha dos apóstolos. Jesus jamais erraria na escolha, ele é íntimo do Pai. Quem é passível de erro é o homem que, tendo sido escolhido, pode negar essa escolha. Judas escolhe a traição e não o seguimento, ele se torna traidor deixando de ser apóstolo.
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Não paz, mas divisão
O titubeio, a duplicidade, a hipocrisia são tratados de paz com o mundo. Viver em paz, agradar a todos, ser politicamente correto, esteticamente perfeito, embora moralmente contraditório.
Para alguns sujeitos modernos a agradável aparência é melhor que a imagem que gera repúdio, o inescrupuloso é o comportamento típico do pacífico que acorda com os seus inimigos trocando favores. A paz, essa tranquilidade falsa, não pode custar a fé, não pode subjugar a crença. A divisão é a oposição aos contra-valores mundanos que opõem pai contra filho, família contra família, parentes contra si mesmos. A paz, neste caso, é negociar o que se perde para não se dividir, ao passo que a divisão é testificar que o valor é maior que a paz e que a paz não é paz sem os valores.
Jesus não compactua com a índole mundana, ele divide-nos do que nos condiciona, visto que não poderá haver em nós união entre valores e contra-valores, entre verdade e mentira, entre vida e morte, entre graça e pecado. A divisão social se dará diante das oposições geradas pela opção pela vida de Cristo. A pessoa que abraça este seguimento provará sem dúvida hostilidades, inclusive na sua casa entre os seus familiares. A firmeza e a coragem manifestarão esse batismo que divide, que me faz considerar que maior que a paz para com os meus condescendentes é a profissão da minha fé.
A morte é divisão, enquanto o mundo cobra aproveitar a vida a morte separa-nos do mundo, não simplesmente a morte, declínio natural, mas aquela morte na carne para o mundo, a mortificação de si mesmo, que me separa do falso e me une ao verdadeiro.
Em paz poderão viver os tíbios, mas felizes serão os que tomarem para si essas palavras do Salvador e assumirem essa divisão que restitui o valor devido aquilo que é realmente caro: a fé.
O falso cristão é aquele que tenta instituir a paz entre sua fé e a falta de fé do mundo. É o que se contenta em viver bem com todos, em paz com todos, mesmo que isso contrarie valores morais e o que acredita. Esse tipo de vida dúbia pode até existir, e existe mesmo, mas não produz fruto.
A amizade com Deus é inimizade para com o mundo (Tg 4,4), não há como prestar culto a dois senhores, não se pode amar um e servir o outro (Mt 6,24). Essa divisão conota separação da idolatria, como também da amizade para com o mundo.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Os quatro empregados
Há quem viva como se Deus não existisse, outros que acreditam em Deus e nada fazem, e ainda uns que não o conhecem e só vivem.
No primeiro grupo estão alguns que receberam de Deus o mandado de estar à frente dos de sua casa. Mas vivem o ateísmo prático, que age sorrateiramente à soleira da porta da casa de Deus, que desconfia de sua presença e desacredita na sua volta e se tornou opção consciente desses maus administradores. Esse primeiro empregado, que negligencia a volta do seu senhor e assim vive comendo, bebendo, embriagando-se, espancando criados e criadas, por pensar que demora ou não mais virá o seu senhor, provará destino horrendo. Esse incrédulo mesmo sendo administrador, tem um pensamento mal, suas ações são más, como não acredita que volte o seu senhor será encontrado na infidelidade. O segundo empregado que conhece a vontade do seu Senhor, mas não é conforme tal conhecimento e fica espreitado pela sua preguiça, não provará o mesmo destino mas responderá por sua inércia. Por ter se omitido, por conhecer e não ter agido, sua timidez custará muitas chicotadas. Talvez tenha supervalorizado a sua fraqueza ou estagnado na sua limitação mas o que consta é nada ter feito, nada ter preparado ele é o típico usufruidor passivo, conhece mas não age e nada prepara. Há um terceiro empregado, este é ignorante, não conhece, mas age mau, merece castigo por sua ação, mas não pelo seu conhecimento, esse sofrerá o seu castigo, brando em comparação ao destinho dos dois primeiros. Talvez o que lhe garanta destino menos rigoroso seja a infidelidade do primeiro que não lhe deu alimento em tempo oportuno e a paralisia do segundo que não tornou aparente a vontade do senhor de todos.
Parece que desconhecer é melhor e menos rigoroso, só parece, pois o desconhecer priva da intimidade, como também não é mais valioso que a fidelidade que deságua na felicidade do homem que se encontra prudente e zeloso para com os bens do seu senhor. Este empregado que antecede todos os outros provará de todos os bens do seu senhor, será de tal forma recompensado que terá sobre tudo o poder de administrar. A fidelidade permite ao empregado prudente ser semelhante ao seu amo.
O estado de espera
Que são dias, horas, minutos, segundos e milésimos deles? Quem poderá dizer que Deus conta horas, que está com um relógio no braço esperando o momento propício para enviar à terra o seu Filho para julgá-la? O que é o tempo? O que são passado, presente e futuro? Que é a memória humana?
Quem procura justificar a temporariedade é a velhice do homem, a decadência justifica sua existência, de tal forma que o próprio homem estuda a imortalidade mas não a eternidade, estuda meios de tornar exatos os segundos e milionésimos sem poder saber o que é o agora. Estuda meios de tardar a morte que para ele é fim do tempo.
O convite que Jesus faz aos seus discípulos, de ficarem à espera do seu Senhor, como um servo que espera seu amo, que virá de um festa sem hora prevista é convite a um estado. É como se fizesse-os penetrar no mistério de Deus que não dorme e não calcula tempo. Não há tempo, nem vigília, nem hora certa, na verdade a incerteza da hora imprime caráter de indisposição às vicissitudes temporárias, a hora imprevista não é acidente é mistério. O Deus do eterno agora, não se adianta ou se atrasa, o imprevisível é calcular o tempo de quem não vive a efemeridade do finito, mas que rasga as horas calculáveis se inserindo nelas e transcendendo-as.
Há uma revelação de perenidade celestial nessas exortações de Cristo, a noite que a todos assombra é passagem enquanto a vigília é estado, estar acordado é ser virtuoso até quando falham os sentidos ou quando se cansa o corpo pelo excesso do trabalho. O que espera para além do lugar, do espaço do tempo. A espera transcende o limite impostos pelo tempo como também os sentidos.
O demônio existe?
O mal social, acreditado por muitos como reino de satanás não é necessariamente o seu reino, para além do mal social, aquele que vemos nos países pobres, onde a miséria reina, onde as doenças não são controladas, onde as pessoas não têm acesso a bens de consumo de qualidade, educação eficiente, alimento necessário etc, isso não é reino de satanás, pode ser também, mas a ausência disso não implica na ausência de um reino demoníaco, pois que também onde não há fome satanás pode reinar, assim como onde não há injustiça humana, onde existe qualidade de vida favorável. O reino de satanás é de natureza direta espiritual. Quantos países ricos, onde não há pobreza, onde há habitação para todos e tantos direitos coletivos são supridos, convivendo com indiferença a Deus e seu Reino, que causam danos maiores que fome e miséria, pois para a necessidade se pode dar um fim com a sua satisfação e é assim que pensam os ateístas, mas para a necessidade mais íntima do homem, aquela que não se sacia com nada material, que não finda com comida, bebida, diversão, arte, cultura.
Na Quaresma de 2010 o Papa Bento XVI afirma categoricamente que “a verdadeira justiça é restituir ao homem o que é seu por direito”, fazendo memória a um princípio da justiça, ele mesmo questiona dizendo que “se a justiça é isso” só haverá justiça se ao homem for restituída a sua comunhão com Deus (conf. MENSAGEM DE SUA SANTIDADE O PAPA BENTO XVI PARA A QUARESMA DE 2010). Jesus destitui o reino de satanás restituindo o Reino de Deus, que não é a justiça dos homens, é maior, é comunhão, amizade, conhecimento de Deus. As curas que realiza são a vitória da vida contra a morte já na terra, pois o reino de satanás é vencido na terra, devolvendo ao homem sua dignidade de ser semelhante a Deus muito embora ainda o permitindo estar condicionado às sequelas do pecado.
A extensão do tema não permite um breve resumo, com o risco de gerar polêmicas maiores, mas fica claro a existência de dois reinos, um que oprime, não somente socialmente, ou fisicamente, mas antes de tudo espiritualmente, e o verdadeiro reino aquele que liberta, que restitui liberdade, dignidade, que salva, verdadeiramente justo, não necessariamente social, pois no mundo os homens podem se estabelecer socialmente de tal forma que o mal social seja suprimido, mas a casa pode estar limpa, bem varrida e repleta de demônios. É possível que as expressões indiretas do demônios sejam sanadas, mas devemos considerar que se tudo estiver bem arrumado não será por isso que não estará habitado por satanás.
A casa limpa e ajeitada não é pressuposto de liberdade, nem de justiça ou moralidade, pode ser também lugar propício para que vivam reinando oito demônios.
Senhor, ensina-nos a orar!
Que discípulo sábio, que homem inteligente, que pessoa ousada! Seu pedido é o pedido de todo homem que mesmo fora de si deseja conhecer a Deus. Esse pedido, essas palavras, são tão cheias de desejo que não podem deixar de ser atendidas pelo Mestre. Os homens não sabem rezar, só Cristo é o modelo da verdadeira oração, quão bela sua comunhão com o Pai que também ela desejaram os seus discípulos. Imagino que no pedido desse discípulo anônimo está o desejo de se assemelhar não aos discípulos de João, mas viver como ele uma experiência de unidade com o Pai. Penso eu que era tão bela a maneira com que Jesus orava ao Pai que os seus discípulos desejaram-na. Ensina-nos o Christós, ensina-nos, pois que nossa oração é frágil, somos tão voltados a nós mesmos que não sabemos como nos dirigir a Deus. Esse pedido também demonstra um tipo de insatisfação, não creio que os discípulos, por serem judeus, não tivessem uma vida piedosa e cumpridora de preceitos, esse pedido revela que o cansaço, a fadiga da oração incoerente já lhes era funesta, daí brota um pedido ao Mestre, ensina-nos… Continuo extasiado vendo a beleza dessa súplica que prontamente é atendida, pois não hesita Jesus em logo lhes ensinar sua forma de oração com um ato ousado: chamar Deus de Pai!
Quem conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar? Que Filho tão solícito que sem ciúmes algum nos dá a conhecer o amor do seu Pai, que não esconde aos pequeninos, mas que se guarda contra os sábios e soberbos do mundo, contra aqueles que rejeitam o seu Pai. Que Filho este que dá, mesmo a bastardos, a possibilidade, o poder, pelo acolhimento dele mesmo a filiação Divina. Ensina-nos a orar, pois estamos cansados, oração virou trabalho, vida mística se transformou em superstição, amizade em libertinagem, e estar na casa do teu Pai um negócio lucrativo. Ensina-nos, Senhor, a orar! Pois muito do que pensamos sobre o teu Pai, nosso Pai, não é coerente com o que nos revelaste, e oramos conforme nossas tendências, e pensamos que nossa oração é boa, justificamos nossa consciência dando pão aos pobres, saúde aos doentes, mas sem a paz no nosso íntimo, cheios de dubialidade fazemos do teu Pai um ídolo diante de quem nos prostramos pensando render a verdadeira adoração.
Senhor, ensina-nos a orar!
Meu senhor tarda!
É lamentável que a espera do Senhor tenha se tornado um tipo de desventura em que somente os tidos por loucos ainda acreditam nela. Mas, quando se tem por louco quem crê nisto, se atribui loucura aquele que ditou tais palavras. Sim, se se considera loucura crer na volta gloriosa do Senhor, atribui-se ao próprio Jesus essa loucura, pois quem disse que voltaria foi ele mesmo, não foram os cristãos que invetaram essa ideia, não foi nenhum dos apóstolos que comunicou o devido cuidado e a vigilante espera, foi o próprio Mestre, ele fala sobre virgens imprudentes, sobre vinhateiros infiéis, sobre hipócritas, sobre festa de núpcias e dá mais outros tantos tipos de exemplos a não serem tomados.
A vigilância deverá ser a marca do cristão moderno, essa marca não deixa dúvida sobre sua espera consciente e atenta. Em tempo oportuno, se encontre no seu devido lugar, homens e mulheres, cristãos verdadeiros, a alimentar a fé em Deus por meio do seu testemunho. Pois se o mundo não crê que Deus exista e porque não existe não fará juízo, creiamos nós sem hipocrisia e sem pacto com a embriaguez moderna.
Hipocrisia
Mas, poderiam dizer-me: “Onde estão esses simuladores?”. Eu responderia: “Em muitos lugares”. Talvez dentro de nós mesmos, pensando, calculando, pervertendo, desconstruindo. É tão sutil essa possibilidade que nem sequer a questionamos, mas quantos não agem hoje pensando que são deuses de si mesmo quando atestam que sua consciência é poderosa o suficiente para anular até a Deus. Ou quando pensam que podem determinar o mal e o bem de acordo com maiorias. A hipocrisia pode morar comigo, habitar na minha mente e se criar como uma solitária que consome tudo o que me adentra. A hipocrisia é pensar que somos cristãos enquanto concordamos com tudo o que é indigno de ser acreditado, quando compactuamos com o pensamento malígno que age nas mentes que massacram e ferem a Igreja. Quantos políticos nos impõem sua falsa cristandade, batizados que desprezaram o Cristo para ficar com suas consciências determinantes no que diz respeito a maioria. “Sou cristão” diz o dono da clínica de aborto, a mesma coisa o diz fazendeiro escravizador, assim também a dona do prostíbulo, assim também o diz o falso pregador que fala uma coisa e pensa outra, assim também o diz o assassino que com bíblia debaixo do braço “ora” para matar mais um, e numa lista sem fim vemos hipocrisia. Não posso dizer que todos são hipócritas, mas que há hipocrisia em todo o lugar jamais deixaria de dizer, sim, porque há. E que tristeza, pois que, se no mundo os homens fossem hipócritas, falsos, simuladores, farçantes, nada seria estranho, mas na Igreja isso é uma miséria. Posso até dizer, se os homens do mundo movidos pelo ateísmo fizessem toda espécie de mal não poderiam ser chamados de hipócritas, pois viveriam o que pensam e o que acham, e criando suas leis determinariam o que pensam até civilmente. Mas a verdadeira hipocrisia, se é que há uma falsa, é dos que estão na Igreja, dos que se dizem cristãos e pensam como se fossem pagãos, e como falsos moralistas se entregam ao pensamento mundano arraigando-o no seio do Corpo Místico de Cristo. Aí sim há hipocrisia onde se espera que exista fé, lá onde existe um auto-denominado cristão que batizado, porém ativo descrente, faz o que quer com os valores cristãos, manipulando-os segundo seus conceitos modernos e pessoais.