quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A noite e a montanha

Comentário sobre Lucas 6,12-19

Jesus é homem de comunhão com o Pai. Seu ato de atravessar a noite em oração a Deus, de não passar passivamente por ela diante na montanha, exprime o seu amor ao Pai. O que o motiva? A escolha dos doze? Não errar ao nomear seus apóstolos? Ele vai à montanha, à noite, atravessa-a, assim como uma lança que rasga uma densa peça, ele atravessa a imensidão das trevas. E ora não por motivações de escolha ou discernimento, esses partem da intimidade e não o contrário. Todo o ato público de Jesus se funda na sua experiência de amor ao Pai, de intimidade profunda. Ele não vai ao monte orar para fazer a aparente difícil tarefa de escolha dos doze, nem para não se arriscar a errar em escolher seus delegados. Ele ama o Pai, e porque ama-o, reza, ora, vai à montanha, atravessa a noite. O que o motiva é o próprio Pai e relação de amor entre eles. Não quero dizer que ele não rezou para escolher os seus, quero dizer que a escolha não foi sua motivação oracional, como muitos afirmam. A escolha, o envio, a imposição do nome sucede a sua oração, assim como tudo o que fazia.

A pessoa que vive na presença de Deus, que ora em meio a escuridão da noite, que vai até o monte, faz escolhas fundadas na intimidade. Podemos inverter a ideia tradicional, a motivação da escolha é a oração. Porque oro, escolho, porque oro, envio. Não oro para escolher e para enviar. O pressuposto de todo ato pessoal é sua profunda comunhão de amor com o Pai. Isso não gera equívoco, porque a verdadeira oração é capaz de direcionar nossas escolhas para o bem.

Resta-nos uma indagação. Se Jesus ora, e por isso, tudo o que faz nasce dessa experiência que tem com o Pai, porque ele escolhe um traidor? Jesus não escolhe um traidor, ele escolhe apóstolos. É no clarão do dia que Jesus faz a escolha, ele convida os seus discípulos à mesma experiência de atravessar a noite, chamando doze deles de ἀποστόλους (apostolous= enviados: que faz as vezes daquele que envia). Na última frase do enunciado sobre Judas Iscariotes lemos: “que se tornou um traidor” (ὃς ἐγένετο προδότης). A escolha de Jesus também se torna escolha dos apóstolos. Jesus jamais erraria na escolha, ele é íntimo do Pai. Quem é passível de erro é o homem que, tendo sido escolhido, pode negar essa escolha. Judas escolhe a traição e não o seguimento, ele se torna traidor deixando de ser apóstolo.

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